enquanto

19jun17

(texto de 22 de março de 2007)

baltar

Desde aquele dia, eu me mudei para uma sala de espera. Não que tenha sido voluntário: sem mais nem menos, eu moro aqui. Estou esperando alguém para entregar um bilhetinho feito namorasse. O bom é que tem esses livros todos e eu posso escrever o quanto quiser e, às vezes, até esquecer que estou esperando. Posso enfeitar tudo para a chegada: cinco nuvens no alto da parede – nuvens de céu azul-doído -, aquela poesia no teto – “what if suddenly nothing else moves?” – e outras duas novas para a parede lateral.

É raro, mas eu saio. Visito uma exposição, vou ao cinema e anoto aquele vídeo-arte, a fala do Woody Allen que eu mais gosto (“Não engordo porque minha ansiedade chega a ser aeróbica”) pra te contar depois. Não deixa de ser enfeitar-tudo, não? É um hábito, eu sei. Ajuda a passar o tempo enquanto se espera – é deslembrar que estou esperando.

E tem amigos que vêm me visitar. Não muitos, porque eu quase prefiro ficar em silêncio com os discos novos de jazz. Mas, vez ou outra, eu tenho saudade e penso em reunir todo mundo aqui. Não seria uma espera, eu sei, e é bem por isso que eu não faço reuniões. Não, não faço. Um amigo ou outro aparece, sorri com as nuvens, tenta ler a letra do teto e vai embora três músicas depois. Eu gosto deles, mas sempre fui das reticências e, embora fique cheia de gargalhadas, eu ainda lembro que estou esperando e é melhor deixar a visita ir antes que ela perceba tudo e saiba que aquilo, aquele jazz lindo tocando, aquela poesia, aquele amontoado de delicadezas não são pra ela. Mas os amigos vêm. E eu gosto que venham. Contanto que batam na porta antes e não se demorem demais.

Minha sala de espera não tem música de elevador. Eu odeio elevadores. E odeio azulejos com estampas de flores e bules, cortinas com aqueles babados e toda tentativa de chamar casa o que eu sei que não é. Detesto que diminuam o volume do som, porque eu não quero ouvir o barulho da espera, barulho da rua que anda mais do que aqui dentro. E, embora eu espere, eu estou um pouco correndo. Sim, porque encher tudo de enfeites não é fácil e eu não quero esquecer de nada. Até aquela história de estudar música no conservatório quando eu tinha 8 eu quero ter pra te mostrar. Não, não se pode esquecer a neblina.

Tem dia eu penso que espero menos a chegada que a hora de escrever o bilhetinho. É que eu tenho ânsia de poder te escrever lindo, você virando a cabeça pra mim, com os olhos brilhantes do encontro, contar a fala do Woody Allen, colocar meu disco novo de jazz no som e entender que está tudo calmo, que você chegou e que já pode trazer todos os seus enfeites pra minha sala de não esperar nunca mais.



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